terça-feira, 7 de julho de 2020

Haddad no Roda Viva e o dogma da democracia no estado burguês

Sobre Haddad no Roda Viva de ontem. Ando cada vez mais de saco cheio dessa retórica pró-institucionalidade quando a abstração das instituições não está preparada para observar o mundo material ao qual pretende regulamentar. Na fala do entrevistado – corroborada pelas perguntas dos entrevistadores – democracia institucional liberal e acrítica se torna um fim em si mesma, pouco importando suas implicações práticas.

Haddad, como a maioria dos brasileiros, defende a alternância no poder, como um objetivo final. Como se fosse saudável e não se tratasse de um gasto excessivo de dinheiro público um projeto de governo criar um Estado em oito anos, com investimentos e estratégias, para que nos oito seguintes fosse desmontado em nome de um novo projeto, com novos gastos e novas estratégias.

Essa alternância no poder como algo saudável em si mesmo é o que permite que Bolsonaro e sua política neoliberal e extremista de direita destrua o país como vem fazendo depois de quatorze anos de um governo social-democrata ter alavancado a sociedade através de conquistas de direitos e ocupação de espaços de resistência, ainda que de forma incipiente e com muita coisa a ser feita. Tudo isto em nome dessa democracia-fim, que supostamente seria necessária, de forma inquestionável e quase dogmática. Num cenário apocalíptico, teríamos oito anos de governo Bolsonaro destruindo o país com políticas de austeridade e, na melhor das hipóteses, apenas como pausa para um respiro, um governo progressista subsequente passaria oito anos seguintes gastando dinheiro público para reverter a tragédia socioeconômica causada pelo atual presidente.

Fernando Haddad, no entanto, teceu críticas à permanência de Hugo Chavez no poder, de Xi Jinping, de Evo Morales, sem tecer qualquer comentário sobre a necessidade desses governantes se manterem no poder como forma de resistir aos ataques neoliberais estadunidenses e europeus.

É preciso repensar a democracia institucionalizada no Estado burguês e ter coragem de levar ao debate público as críticas a essa institucionalidade, tratada como sagrada. É preciso não ter medo para levantar a pauta da permanência no poder como uma alternativa muitas vezes necessária a propostas de esvaziamento de projetos estatais em nome de projetos governamentais. O atual debate acerca da democracia reflete a velha dicotomia entre a forma e o conteúdo. Alternância no poder sem resultados práticos para os governados, em nome do "respeito às diferenças", nada mais é senão a redenção da formalidade em detrimento da materialidade.

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