terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Na briga Bolsonaro x Globo eu torço para a briga

Nesta semana um amigo me conclamou, empolgado, a ligar a TV para ver o Jornal Nacional: "você tem que ver como a Globo está batendo no Bolsonaro!", disse naquele estado de euforia, típico de quem vem seu inimigo ser atacado. Em resposta eu lhe disse que não me empolgo vendo a Globo bater em Bolsonaro. Comentei que bater em Bolsonaro para trocar por Moro, Luciano Hulk ou Dória seria varrer a sujeira para baixo do tapete, enquanto o discurso focasse apenas na derrota do atual presidente, pouco se resolveria.

Aparentemente decepcionado e surpreso com minha reação blasé, chamou-me de radical, arguindo que eu deveria comemorar as pequenas batalhas. Não tiro sua razão em nenhuma das constatações: sim, eu sou radical, a propaganda esquerdista que eu levanto é sempre focada em combater o problema pela raiz, derrubando o capitalismo em vez de insistir no erro de tentar consertar o que não tem conserto. E sim, é preciso comemorar pequenas vitórias, e não pensem que não comemoro cada soco simbólico que Bolsonaro leva na cara e comemoraria ainda mais se o soco fosse literal e lhe quebrasse pelo menos uns dez dentes.

Mas, continuo não me empolgando com a Globo batendo no Bolsonaro. O grupo Globo pertence à família Marinho, que já ocupou o posto da mais rica do Brasil, detentora de uma fortuna aproximada de R$ 64,3 bilhões de reais, segundo a revista Forbes. E não a toa, estampou em sua programação a defesa massiva da reforma da previdência, a defesa da reforma trabalhista no governo Temer, apoiou o Golpe Militar Empresarial de 1964, a operação Lava Jato e duas perseguições ao PT, as manifestações pró-golpeachment, além da famigerada campanha "Agro é Tech, Agro é Pop" (vai vendo). Não surpreende que a Globo defenda medidas que somente beneficiam o empresariado, tentando formar uma opinião pública incutindo na cabeça do seus espectadores a falsa percepção de que beneficiar a burguesia também lhes beneficia. Isso explica parcialmente o fenômeno "pobre de direita", aquela barata que veste camisa de futebol e vai para a rua defender o inseticida e a sandália que irão matá-las, chamando-os de mito.

A família Marinho é detentora maior grupo de comunicação do Brasil, mas também têm fazendas e empresas de produção agrícola, como a Fazenda Bananal Agropecuária, as Fazendas Guara Agropecuária e a Mangaba Cultivo de Coco. Além disso, a Globo Comunicações e Participações S/A é integrante da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Dona de terras improdutivas, como a Fazenda Aliança, no município de Eunápolis, região Sul da Bahia, com mais de mil hectares (cada hectare equivale a 10.000 metros quadrados ou uma área de 100 metros de largura por 100 metros de comprimento), a família Marinho e, consequentemente, a Globo, não tem o menor interesse na implantação de reformas de base, como a reforma agrária, medida necessária e defendida pela esquerda.

A Globo, assim como os demais representantes da burguesia, precisa de políticas de austeridade, que retiram direitos trabalhistas e promovem a concentração de riquezas, mantendo a atual estrutura de desigualdade social e econômica. E justamente por isso, faz campanha aberta ou velada para a adoção de políticas públicas pautadas no beneficiamento de capitalistas em detrimento da grande massa de trabalhadores. Se é possível responsabilizar alguém pela ascensão deste governo, este alguém é justamente a Globo.

Jair Bolsonaro ainda em sua campanha nomeou Paulo Guedes seu Ministro da Economia e prometia políticas neoliberais, com o enxugamento da máquina pública, privatizando empresas públicas para possibilitar ainda mais concentração de riquezas nas mãos de uns poucos grupos privilegiados, como a própria família Marinho. Cada vez que Jair Bolsonaro se manifestava a favor da violência no campo, fomentando a criminalização de movimentos populares como o MST, membros da família Marinho respiravam aliviados de que seus latifúndios estariam preservados.

Quiseram os deuses que o idiota que nos governa se indispusesse com os veículos de imprensa e passasse a ameaçar publicamente retirar a concessão da Globo caso fosse reeleito em 2022. Bolsonaro se tornou a fera criada para atacar quem ousasse tocar na propriedade do seu dono, mas que cresceu tanto, perdeu o controle e mordeu a mão de quem o alimenta. Seus desvarios paranoicos trouxeram insegurança até mesmo ao empresariado que o elegeu, tornando-o persona non grata.

A crise sanitária decorrente da pandemia de COVID-19 e as trapalhadas assassinas promovidas pelo presidente desgastaram sua imagem e este foi o momento perfeito para que a Globo resolvesse bater nele, insuflando os ânimos da população a pedir o impeachment do presidente. Não nos enganemos chamando a emissora de nossa aliada, porque não é. E neste ponto que faço minha afirmação que me gerou a adjetivação de "radical": "não me empolgo vendo a Globo bater em Bolsonaro, enquanto não bater no próprio sistema capitalista nada vai mudar".

Mas, Guto, tirar Bolsonaro é prioridade agora, depois a gente vê o resto. Não, não vê. De depois em depois, permitimos que uma ditadura militar empresarial se perpetuasse por 21 anos no poder, permitimos o governo Sarney, elegemos Collor e FHC, nenhum deles comprometido com a classe trabalhadora e sim com o capitalismo. De depois em depois, permitimos o golpe que tirou Dilma da presidência e deu projeção à extrema direita bolaonarista. A gente nunca vê o resto e se acomoda.

A Globo já elegeu seu presidente da república Sérgio Moro quando ganhou projeção na imprensa depois de contrariar publicamente seu patrão e pular do barco do governo. A Globo agora já elegeu seu presidente da república João Doria agora que o embate se dá em torno da vacina do coronaviírus. A Globo ainda tem no cadastro de reserva o seu funcionário Luciano Hulk para eleger presidente caso algum dos outros dê chabu. Qualquer um que for eleito será seu funcionário. Seu e de todos os demais capitalistas, o grupo de 1% da população, que detém mais de 50% das riquezas do país.

É claro, tirar Bolsonaro do poder é prioridade. Mas, empolgar, empolgar mesmo, só quando a emissora se esforçar para alçar ao poder um representante da classe trabalhadora, levando à sua massa de telespectadores a consciência de classe necessária para derrubar o sistema capitalista e promover reformas de base, tomada dos meios de produção e desapropriação das grandes fortunas com redistribuição de renda para todos. Ou seja, nunca.

Enquanto continuarmos acreditando que Bolsonaro é a causa dos problemas e não sua consequência, não iremos na raiz e continuaremos enxugando gelo, empurrando com a barriga, pulando de austeridade em austeridade, sem vermos quaisquer melhorias estruturais. Ainda bem que sou radical.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A Ford e as falácias neoliberais

O encerramento das atividades da Ford no Brasil, com a demissão em massa de mais de 5.000 trabalhadores, é mais um retrato do fracasso das políticas de austeridade, inerentes ao neoliberalismo. As reformas trabalhistas aprovadas no governo golpista de Michel Temer, em 2017, retiraram direitos dos trabalhadores, sob a desculpa esfarrapada de que seria melhor perder alguns direitos mantendo alguns postos de trabalho em vez de resguardar direitos que não poderiam ser suportados pelos empregadores, originando demissões.

O que vimos, entretanto, foi um empobrecimento em massa da classe trabalhadora que, com a redução do seu poder aquisitivo, passou a consumir menos. Não precisa ser muito esperto para saber que, quanto menor for o consumo, menor será a produção e, consequentemente, menores serão as taxas de lucro do empresário. A fórmula está pronta e ciclo vicioso está completo: se o empresário ganha menos, irá demitir mais.

Da mesma forma, a falácia de que taxar grandes fortunas gera fuga de capital não se sustenta quando pensamos que, em razão de um Congresso Nacional omisso, nunca aprovamos uma lei regulamentadora da impostos sobre grandes fortunas, prevista na nossa Constituição Federal desde 1988, e mesmo assim, o Brasil perdeu 316.680 entre 2016 e 2019 (dados do levantamento Demografia das Empresas e Empreendedorismo 2017, divulgados em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de outras 716.000 empresas que fecharam somente no período da pandemia, conforme aponta outra pesquisa, a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, também realizada pelo IBGE.

A Ford anunciou o fechamento das fábricas em Camaçari, BA, e Taubaté, SP, com a migração para a Argentina, país que acabou de regulamentar a taxação sobre grandes fortunas, com alíquotas variáveis entre 2%, para patrimônios declarados em valor equivalente a 13 milhões de reais, até 3,5%, quando a fortuna declarada for de 181 milhões de reais. A criação do tributo prevê uma arrecadação aproximada de valor equivalente a 18,5 bilhões de reais, a serem investidos em saúde e produção.

Enquanto o neoliberalismo concentra riquezas nas mãos de poucos, fábricas são fechadas porque muitos deixam de consumir. Políticas de redistribuição de renda, como as que vimos durante os governos Lula e Dilma, por sua vez, asseguram o consumo das classes mais pobres, garantindo a sobrevivência de fábricas, a manutenção de empregos e o crescimento da economia.

Dialética da Criação

Dialética da Criação Trago um mundo inteiro dentro em mim? Mãos que cá já estavam moldaram-me em argila, constituindo-me à sua semelhança. R...