quinta-feira, 19 de agosto de 2021

OnlyFans e o falso moralismo em uma "esquerda" conservadora

 A plataforma OnlyFans anunciou que, a partir de outubro, retiraria do ar conteúdo de cunho sexual.

Não tenho dados estatísticos aqui, até porque não é sobre o que proponho, mas sei que a plataforma é muito comum entre homens gays que compartilham conteúdos pornográficos em troca de dinheiro, vendendo fotografias "nudes" e vídeos de sexo explícito. Nem sei se a maioria dos perfis e do público possuem conteúdo sexual, mas sei que entre homens gays é bastante comum a produção e o consumo deste tipo de conteúdo nesta plataforma.

O que me causou, não tanto surpresa, mas muito mais indignação, foi ver no meio de pessoas LGBTQIA+ uma galera comemorando o anúncio da plataforma, ironizando que, a partir de outubro os produtores de conteúdo pornográfico "teriam que arrumar um emprego".

"Finalmente uma boa notícia."

"Quero ver esses gays folgados conseguir dinheiro agora." (sic)

"Trabalhar ninguém quer. Agora se mostrar pelado na internet em troca de dinheiro é moleza."

No meio desses homens gays — muitos dos quais consomem conteúdo pornográfico na Internet, e sei porque falo aqui de pessoas que conheço — encontram-se moralistas, que fazem juízo de valor em cima do comportamento sexual das pessoas. 

Gays comemorando o fim da fonte de renda de outros gays, pelo fato de que esta fonte provém da exposição do próprio corpo e da exploração do próprio sexo. Onde anda a consciência de classe de quem é alijado pelo mercado de trabalho por sua orientação sexual, quando julga seu similar, tão indesejável no mercado quanto ele próprio, por ganhar dinheiro ao explorar o próprio corpo?

Não indigna esses gays moralistas que sejamos todos obrigados a viver num sistema que, exatamente por nos afastar do mercado formal, obriga que outros homens gays explorem a própria imagem sexual, por não lhes restarem alternativa?

Pessoas que se dizem esquerdistas deveriam ter ciência de que a criminalidade e a violência estão diretamente relacionadas com as condições socioeconômicas em que vivemos. E que, quando faltam empregos e condições dignas de sobrevivência, há crescimento de violência e das taxas de criminalidade. No entanto, preferem comemorar a vitória da moral e dos bons costumes sobre um número de pessoas LGBTQIA+ que serão jogadas ao "Deus dará", e possivelmente incrementarão as estatísticas da criminalidade.

Não que deva haver uma necessária correlação entre comunismo e produção de pornografia, porém é de se irritar muito ver homens gays comemorando o fim da fonte de renda de outros homens gays. Perfis de supostos progressistas, que se dizem esquerdistas, ignoram que o percentual de desemprego para pessoas LGBTQIA+ é de 21,6%,  enquanto que o índice total no Brasil é de 12,2%, conforme pesquisa apresentada em maio de 2021, fruto de uma colaboração entre o coletivo “#VoteLGBT”, a Universidade Federal de Minas Gerais e a Unicamp.

Homens gays de esquerda deveriam lamentar que pessoas mais vulneráveis ao desemprego percam sua fonte de renda e passem a integrar um exército industrial de reserva em um momento tão cruel de avanço de políticas neoliberais de arrocho salarial. No entanto, compram o moralismo conservador da tradicional família de bem e desconsideram a legitimidade de obter renda explorando o próprio corpo.

Parece-me que esses moralistas não enxergam a semelhança entre aqueles "imorais" consigo próprios. Pensam que acordar diariamente às 6h da manhã, enfrentando trem lotado ou trânsito lento, para que consigam iniciar seu expediente às 9h é moralmente mais aceito que mostrar uma foto de um órgão sexual na internet. O trabalhador moralista pensa que não está explorando o próprio corpo quando enfrenta duas horas de trânsito na volta para casa, entro de um ônibus cheio, de pé, por causa de dinheiro, que chama de salário.

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